Concerto do Romantismo ao Modernismo

Orquestra Sinfonietta de Lisboa

Concerto do Romantismo ao Modernismo

Música


Sexta-Feira, 6

22:00, Palco 25 de Abril

«... Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo...»

Comemorar um aniversário é sempre uma celebração de vida e uma afirmação de confiança no futuro. É, desde logo, o resultado do decorrer de um período de tempo que nas civilizações ocidentais se acabou por convencionar ser de 365 ciclos diários, um ano, segundo o nosso calendário. No dia em que esse período se completa celebra-se antes de tudo o mais a vida que o animou e que, por esse próprio decorrer, garante que continua. Um momento de presente em que confluem o passado e o futuro, que aquele se constitui como garantia deste. Por tudo isto, um aniversário, apesar da sua naturalidade – vale dizer, inevitabilidade! – ganha um significado próprio e profundo quando deixa de ser um dia como qualquer outro para, ao ser celebrado, assinalar o apreço por quanto decorreu já e nesse já vivido assentar a perspectiva de novo ciclo que se abre. Quando um aniversário é celebrado colectivamente é claro que tudo isto respeita à sociedade que o celebra, o apreço aos anos de vida decorridos e a garantia de os prosseguir, do devir que se abre. Não é assim uma pura comemoração, um puro acto festivo – ou melhor, é-o mas não apenas. É que o congregar nessa festa é um acto em que a sociedade se concretiza e se define, reflecte sobre o seu passado e define os contornos do que anseia prosseguir no tempo. Decorreram45 anos desde que uma música de José Afonso entrou para a história como a primeira canção que integraria o cancioneiro revolucionário não por, como tantas outras, celebrar uma revolução, por desejá-la, mas por ser um instrumento intrínseco da própria revolução. Os passos alentejanos de «Grândola» que a criatividade de José Mário Branco fizera anunciar os versos e a voz de Zeca determinaram o arrancar dos motores das Chaimites, o equipamento de soldados em todo o País para que essa madrugada não se limitasse ao nascer do sol (e é aliás uma velha moda alentejana que alerta: “O sol é que alegra o dia/ Pela manhã quando nasce/Ai de nós o que seria/Se o sol um dia faltasse”. Se o sol não nascesse todos os dias que se completam para ditar aniversários!),mas também ao nascer da liberdade, dela fazendo nas definitivas palavras de Sophia deMello Breyner:

Esta é amadrugada que eu esperava
dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.
Celebramos 45 anos do 25 de Abril. Isto quer dizer que nos revemos neste quasemeio século decorrido. E queremos dizer que o seu legado continuará a ser substância do tempo português.

Do 'romantismo' ao 'modernismo' – caminhos do repertório sinfónico ABW O tema do concerto sinfónico da edição de 2019 da «Festa do Avante!» propõe-nos um percurso entre duas fases contíguas da história da música, o 'romantismo' e o 'modernismo'. Começando pelo primeiro período referido – o 'romantismo' – serão apresentadas três obras, cobrindo a primeira metade do século XIX (de 1804 a 1850), todas elas de autores alemães, Beethoven, Mendelssohn e Schumann. O segundo período – dedicado ao 'modernismo' – será aflorado através de obras de dois autores de nacionalidades diferentes (um russo, Serguei Rachmaninoff, depois naturalizado norte- americano, e um francês, Maurice Ravel), com obras compostas em 1934 e 1919, respectivamente.

De permeio, entre uma e outra fase histórica representadas no alinhamento do programa, o mundo viu surgir, em 1848, o Manifesto do Partido Comunista, acompanhou o desenrolar da vida dos fundadores do comunismo científico – Karl Marx e Friedrich Engels – assistiu ao eclodir da primeira revolução socialista na Rússia, sob a liderança de V. I. Lénine e do partido bolchevique, e foi marcado pelo desenvolvimento crescente das lutas do proletariado a nível mundial, mobilizado sob a consigna «Proletários de todos os países, uni-vos!».

Triplo Concerto, 1.º and.o

(Ludwig v. Beethoven, 1803/05)

O 'romantismo', fase da história da música que sucede ao período 'clássico', onde podemos ter como marco a 3a sinfonia de Beethoven, composta em 1804, na mesma altura em que o compositor elabora o seu 'triplo concerto para violino, violoncelo, piano e orquestra'. Fase marcada pelo subjectivismo e o egocentrismo do artista, por um sentimentalismo exacerbado e pela presença constante da Natureza, como forma poética de se expressar estados de espírito.

O 'romantismo' irá correlacionar-se, na história económica e social, com a chamada 'primeira revolução industrial'. A mecanização da indústria da tecelagem na Inglaterra, prontamente notada por Engels, é apenas uma das manifestações da transformação do processo produtivo, sob o paradigma da energia a vapor. A transformação das condições de vida – os camponeses espoliados das terras e empurrados para as cidades, o surgimento do proletariado, a poluição acrescida por força do uso do carvão como fonte de energia – instalará uma nostalgia idílica da vida no campo, a par da idealização das identidades nacionais, com reflexo patente nas diversas artes. A burguesia era, até então, uma classe em ascensão, contrapondo-se ao poder da aristocracia em decadência.

Abertura "Ruy Blas"

(Félix Mendelssohn Bartholdy, 1839)

É naquele quadro de combate ideológico entre a burguesia e a aristocracia, que se enquadra a Abertura 'Ruy Blas', de Mendelssohn. Obra composta no ano seguinte ao surgimento do drama que lhe serve de epónimo: o personagem Ruy Blas, criado em 1838 pelo dramaturgo francês Victor Hugo, dará corpo à ideia do plebeu que corteja uma dama da aristocracia (no caso, a rainha de Espanha, Ana Maria de Neuburgo, segunda mulher de Carlos II, último rei espanhol da linhagem de Habsburgo). E o plebeu Ruy Blas enganará a corte até se tornar primeiro-ministro. Sendo depois denunciado, suicida-se (não sem que a rainha o perdoe, declarando o seu amor...).

3.ª sinfonia 'Renana', 1.º and.o

(Robert Schumann, 1850)

A 3a sinfonia de Schumann foi composta em Düsseldorf, numa altura em que o autor aceita o cargo de director municipal de música. Produzida dentro da estética romântica, evoca episódios da vida nas margens do Reno, donde se fixou a designação posterior dada à obra: Sinfonia Renana. O 1o and.o tem 'animado' (Lebhaft) como indicação de carácter, sendo composto na forma-sonata. Inicia com um primeiro tema, extenso e de desenho rítmico curioso, num compasso ternário, com frequentes sugestões de binário, (processo designado por hemíola – termo que deriva do grego e significa "contendo um e meio").

Em 1828, Schumann assiste a um concerto de Paganini, violinista e compositor, paradigma do virtuosismo instrumental. O impacto de Paganini em Schumann e outros compositores é notável (basta para tal compulsar o seu catálogo, onde encontraremos vários "estudos após os caprichos de Paganini", tendo inclusivamente elaborado uma versão para piano dos 24 Caprichos de Paganini).

Rapsódia sobre um tema de Paganini

(Serguei Rachmaninoff, 1934)

As obras constantes do programa e relacionadas ao modernismo situam-nos, historicamente, no período entre as grandes guerras do séc. XX – as primeira e segunda guerras mundiais – período marcado, tecnologicamente, pelo uso social do motor de combustão (impondo o paradigma energético da 'segunda revolução industrial', sendo o tempo de hoje marcado pelo afirmar, nesse campo, de um novo paradigma – o da energia electromagnética).

A Rapsódia sobre um tema de Paganini, de Rachmaninoff, foi composta em 1934, lembrando, segundo notas do próprio autor, um concerto para piano também composto na Suíça, tendo sido estreada em Baltimore (EUA), com o autor ao piano, acompanhado da orquestra de Filadélfia, sob direcção de Leopold Stokowski. Imbuída de uma estética, por assim dizer, cosmopolita, lembra por vezes (e foi assim utilizada) a música para cinema (dirá mesmo o autor, sobre a 18a variação: "esta é para o meu agente!").

Da Rapsódia (constituída por 24 variações, executadas sem interrupção), seja pela matéria especificamente musical que servirá de tema (que Paganini utilizou no último dos seus 24 caprichos para violino solo, op. 1, obra paradigmática do virtuosismo romântico), seja pela forma de desenvolvimento adoptada (as variações), seja ainda pelo virtuosismo demandado pela escrita pianística – dela emana um traço simultaneamente romântico e moderno, conforme nos foquemos no tema e seu tratamento ou na moldura sinfónica que o acompanha. Surgirá, ainda, a dado momento como tema secundário, um cantochão religioso (Dies Irae).

"La Valse"

(Maurice Ravel, 1919)

Encerra o programa da edição deste ano, La Valse, obra do compositor francês Maurice Ravel. Caso o programa se estendesse ao nacionalismo, poderia incluir-se, por exemplo, Três danças portuguesas de F. Lopes-Graça, obra datada de 1941 e constituída de Fandango, Dança dos Pauliteiros e Malhão, em que os recursos e, sobretudo, a atitude composicional, se podem considerar próximos dos utilizados em La Valse.

São de Lopes-Graça as referências sobre Ravel que em seguida transcrevemos: «A arte de Ravel não é uma arte profunda, trágica, problemática. Seja. Mas haverá outra que se lhe avantaje em fantasia, e mesmo em fantasmagoria, em capricho, em humor? (...) Escute-se a Valsa, e diga-se, mais do que isso, mais do que romantismo orgiástico, não há nela um certo demonismo, se nela não andam à solta ululantes as fúrias, se nela não assobiam os ventos da tempestade, se nela não há, enfim, um pouco do dramatismo e do problematismo que parece ou parecia estar ausente da arte do grande músico francês e que, quiçá, continuarão a descobrir-se em outras obras, à maneira que sobre elas o tempo for dobrando os seus passos justiceiros? Ravel é um grande músico...» , 1 acrescentando: «O caso de Ravel é significativo: um dos mais combatidos pioneiros da música deste século [do séc. XX], torna-se pouco a pouco, o mais popular, o mais popular dos músicos contemporâneos (...) [o que] não resultou da mínima concessão do compositor ao público. (...) Concessão, se houve, foi da parte do público, que não podia deixar de ser conquistado pela sedução, a claridade, a magnificência de uma arte a um tempo maliciosamente inteligente e recatadamente sensível» .2

Nome maior da música portuguesa, assinalamos nesta altura os 25 anos passados sobre o falecimento de Fernando Lopes-Graça. Alheio a modas académicas e outras, não se consegue encerrar a sua obra numa cómoda etiqueta estilística, a um qualquer "...ismo" da estética. A sua música foi, como o é toda verdadeira obra artística quando criada, contemporânea do seu tempo, assumindo uma certa forma de modernidade. Como internacionalista que foi (assumindo o termo numa acepção dialéctica, de quem praticou um entendimento positivo do nacionalismo musical), Lopes-Graça deu, ao longo da sua vida, um generoso contributo (musical, mas também político) ao processo de transformação que se operou na sociedade portuguesa, no combate ao fascismo, e que culminou com o momento de assunção plena da nossa modernidade – a Revolução de 25 de Abril de 1974. Idem, p. 185. 2

F. Lopes-Graça. Música e músicos modernos, Lisboa, Ed. Caminho, 1986, pp. 87-89. 1

Sinfonietta de Lisboa

Fundada em 1995, a Sinfonietta de Lisboa tem como base 29 instrumentistas de corda, podendo integrar sopros ou outros instrumentos de acordo com as exigências dos programas a executar. A sua direcção está a cargo de Vasco Pearce de Azevedo (Maestro Titular) e António Lourenço (Maestro Adjunto). A Sinfonietta de Lisboa realizou já numerosos concertos, tendo-se apresentado em Lisboa, no Centro Cultural de Belém e no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian; no Porto, no Teatro Rivoli; e ainda em vários concelhos do país. Nestes concertos tem interpretado obras de diversos compositores desde o período barroco até ao séc. XX tendo acompanhado solistas tais como Andrea Bocelli, Placido Domingo, José Carreras, Jorge Moyano, Adriano Jordão, Peter Devries e Pedro Jóia entre outros. Desde 2004, a Sinfonietta de Lisboa tem realizado o concerto de abertura da Festa do Avante!, tendo acompanhado os solistas Pedro Burmester, António Rosado, Mário Laginha e Miguel Borges Coelho, e ainda o Coral Lisboa Cantat.

Vasco Pearce de Azevedo

Vasco Pearce Azevedo inicia os seus estudos musicais na Academia dos Amadores de Música. Estuda no Instituto Gregoriano de Lisboa e na Escola Superior de Música de Lisboa (ESML), onde teve como professores, nomeadamente Christopher Bochmann e Constança Capdeville, obteve (1989) o Bacharelato em Composição, frequentando vários cursos de direcção de orquestra e coral em Portugal, Espanha, França e Bélgica. É desde 1995 Maestro Titular e Director Musical da Sinfonietta de Lisboa, orquestra com a qual tem realizado estreias absolutas de obras de Eurico Carrapatoso, Bernardo Sassetti, Sérgio Azevedo, Carlos Fernandes e Ivan Moody entre outros, actuando por todo o país, designadamente em concertos de abertura da Festa do Avante! Terminou em Junho de 1995, na qualidade de bolseiro da Comissão Fulbright e da Fundação Calouste Gulbenkian, o mestrado em direcção de orquestra e coro no College- -Conservatory of Music da Universidade de Cincinnati (EUA). Conquista em 1997 o 3.º Prémio no IIIº Concurso Internacional Maestro Pedro de Freitas Branco, e em 1996, uma Menção Honrosa no II.º Concurso Internacional Fundação Oriente para Jovens Chefes de Orquestra. É licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo IST, onde foi assistente leccionando Álgebra e Análise Matemática.

Trio Adamastor

Constituído por Francisco Henriques no violino, Pedro Massarrão no violoncelo e José Pedro Ribeiro no piano, o Trio Adamastor surgiu em 2016 como um dos grupos da classe de Música de Câmara do professor Paulo Pacheco na Escola Superior de Música. Para além de ter sido orientado desde o início pelo professor Paulo Pacheco, este Trio com piano teve também oportunidade de trabalhar com os professores Miguel Henriques, José Massarrão e Paulo Gaio Lima. Até à data presente, o Trio tem-se apresentado em várias salas do País das quais se destacam o Auditório Vianna da Mota, o Centro Cultural de Cascais e a Casa da Música, procurando sempre interpretar repertório com o máximo de abrangência tocando obras de compositores desde W. A. Mozart a autores contemporâneos como Arvo Pärt e Vasco Mendonça. Ganhou recentemente o primeiro prémio na categoria de Música de Câmara nível Superior do Prémio Jovens Músicos.

António Rosado

António Rosado tem uma carreira reconhecida nacional e internacionalmente, corolário do seu talento e do gosto pela diversidade, expressos num extenso repertório pianístico que integra obras de compositores tão diferentes como Georges Gershwin, Aaron Copland, Albéniz ou Liszt. Esta versatilidade permitiu-lhe apresentar, pela primeira vez em Portugal, destacadas obras como as Sonatas de Enescu ou paráfrases de Liszt, sendo o primeiro pianista português a realizar as integrais dos Prelúdios e também dos Estudos de Claude Debussy. No registo dos recitais pode incluir-se também a interpretação da integral das sonatas de Mozart. Actuou em palco, pela primeira vez, aos quatro anos de idade. Os estudos musicais iniciados com o pai tiveram continuidade no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, onde terminou o curso Superior de Piano, com vinte valores. Aos dezasseis anos parte para Paris, e aí vem a ser discípulo de Aldo Ciccolini no Conservatório Superior de Música e nos cursos de aperfeiçoamento em Siena e Biella (Itália). Em 1980, estreou-se em concerto com a Orchestre National de Toulouse, sob a direcção de Michel Plasson e desde essa data tem tocado com inúmeras orquestras internacionais e notáveis maestros como: Georg Alexander Albrecht, Moshe Atzmon, Franco Caracciolo, Pierre Dervaux, Arthur Fagen, Léon Fleischer, Silva Pereira, Claudio Scimone, David Stahl, Marc Tardue e Ronald Zollman. Também na música de câmara tem actuado com prestigiados músicos como Aldo Ciccolini, Maurice Gendron, Margarita Zimermann, Gerardo Ribeiro ou Paulo Gaio Lima, com o qual apresentou a integral da obra de Beethoven para violoncelo e piano. Laureado pela Academia Internacional Maurice Ravel e pela Academia Internacional Perosi, António Rosado foi distinguido pelo Concurso Internacional Vianna da Motta e pelo Concurso Internacional Alfredo Casella de Nápoles. Estes prémios constituem o reconhecimento internacional do seu virtuosismo e o impulso para uma brilhante carreira, com a realização de recitais e concertos por todo o Mundo, e a participação em diversos festivais. Na década de 90, foi o pianista escolhido pela TF1 para a gravação e transmissão de três programas – música espanhola e portuguesa, Liszt e, por fim, um recital preenchido com Beethoven, Prokofiev,Wagner-Liszt. Em 2007, a França nomeou-o Chevalier des Arts et des Lettres.

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