Foi assim
Fladu Fla, composto por oito temas originais e mais outros dois escolhidos do cancioneiro de funaná cabo-verdiano, é o álbum de 2021 do Fogo Fogo, que acabou por ser considerado por vários críticos da especialidade como um dos melhores discos feitos nesse ano em Portugal. É também o nome de uma canção onde se aborda o costume da maledicência, da perpetuação do boato, da notícia sensacionalista pouco fundamentada. É um ótimo exemplo do repertório enérgico e vibrante de um grupo nascido da diáspora de Cabo Verde em Lisboa. Para a Festa do Avante!, à incrível reunião de talentos dos músicos que formam o Fogo Fogo junta-se, como convidado, um outro grande talento: o músico cabo-verdiano de referência Dany Silva.
Entrevista ao jornal Avante!
A reinvenção dos sons das ilhas de Cabo Verde
O mais recente disco dos Fogo Fogo, Fladu Fla (2021), foi considerado por vários críticos como um dos melhores do ano em Portugal. A canção-título, aliás, é o exemplo perfeito do repertório enérgico e vibrante do grupo, que reúne talentosos músicos e reinventa o funaná de Cabo Verde. Com eles subirá ao palco da Festa do Avante! outro grande talento, Dany Silva.
Não sendo naturais de Cabo Verde, a música que tocam é claramente inspirada na música desse país. Muitos de vocês foram músicos de outros grupos relevantes, com estilos de música muito diferentes deste. Como é que aconteceu «inventarem» o Fogo Fogo?
Fogo Fogo é um grupo reunido em Lisboa, cidade com grande diversidade cultural gerada sobretudo pelos países que se comunicam na língua portuguesa, com o intuito de reavivar os antigos bailes de dança e música ao vivo dos anos 80/90.
Aliada a esta vontade, e não menos preponderante, o convite feito pela casa independente com a proposta de uma noite por mês com música africana, nomeadamente funaná, que acabaria por selar o propósito do grupo em tocar e reinventar alguns temas clássicos das ilhas de Cabo Verde.
Como é que a vossa música é recebida pelos cabo verdianos? Numa época em que facilmente este tipo de cruzamentos culturais é confundido com o abuso da apropriação cultural, não temem críticas desse tipo?
Para além de um dos nossos vocalistas ser cabo-verdiano e do seu par na guitarra e voz ter sido, também, criado por cabo-verdianos, todos os elementos do grupo já tinham ligações com a música produzida em Cabo Verde. Grupos como Ferro Gaita ou Bulimundo, cantores como a Cesária ou Bana sempre rodaram nos gira-discos em nossas casas.
A convivência com outros cantores e compositores cabo-verdianos com quem sempre fomos colaborando e partilhando palco; com quem recebemos sugestões e aprendemos as suas canções ou preferências, sempre nos deram muita força e ânimo para continuarmos. De um modo geral o sorriso estampa-se na cara de quem nos ouve, sobretudo se já tem ligações emocionais com o estilo.
O funaná que apresentam é «puro» ou o Fogo Fogo acrescenta um toque de originalidade ao formato tradicional? E, em qualquer dos casos, houve uma discussão no grupo sobre esse tipo de opções, ou as coisas foram acontecendo naturalmente?
Fogo Fogo apresenta algumas diferenças em relação à forma tradicional de tocar funaná: a gaita, substituída pelo Hammond e Farfisa, assim como a existência de uma electrificação geral dos instrumentos, sublinham o que já se verificava em algumas bandas cabo-verdianas com influências no funaná dito «puro». Talvez a maior diferença seja a bagagem musical que cada membro do grupo traz e que pode servir de influência.
A capa do disco Fladu Fla, desenhada por Vhils, suporta-se numa composição de rostos que são referência dos géneros musicais que os influenciaram, como José Afonso, José Mário Branco, Tim Maia, Lee «Scratch», Orlando Pantera ou Jimi Hendrix,. Porém, a imagem dessa capa é dominada pelo rosto de Amílcar Cabral. Que mensagem pretendem comunicar isto?
A capa deste álbum revela, para além de uma lista de pessoas, elementos da cultura ou costumes relevantes na nossa vida enquanto músicos. Podem encontrar um prato de cachupa ou um avião da companhia cabo-verdiana; ou até mesmo uma paisagem portuense ou lisboeta.
O nosso espetáculo consiste maioritariamente na junção de dois espólios: o tradicional ou clássico que adaptamos ou reinterpretamos, e o original que produzimos e acrescentamos. Normalmente são estes, combustível e comburente, que nos ateiam
Todas estas figuras icónicas, assim como a posição central de Amílcar Cabral, representa a importância que entregamos aos costumes, às palavras e às intenções das mesmas. À força que as palavras podem ter e o quanto podem influenciar quem as ouve.
A vossa música é contagiante, festiva, divertida, descontraída, também romântica, mas inclui igualmente letras que abordam temas sociais difíceis, como a emigração, a carência, o preconceito ou a pobreza. Como é que apareceu este lado interventivo?
Cremos que de uma forma muito natural. Faz parte de nós falar do que nos preocupa ou afecta enquanto cidadãos ou agentes culturais. São estas as situações, senão todas, em que temos a oportunidade de sermos o dedo que aponta à morosa cura da ferida.
No espectáculo que preparam para a Festa do Avante! vão tocar só peças do disco Fladu Fla vão para lá dele?
O nosso espetáculo consiste maioritariamente na junção de dois espólios: o tradicional ou clássico que adaptamos ou reinterpretamos, e o original que produzimos e acrescentamos. Normalmente são estes, combustível e comburente, que nos ateiam.
Há uma pergunta obrigatória – porque é que o histórico da multiculturalidade lisboeta Dany Silva é o vosso convidado especial para o espectáculo na Festa do Avante!?
Por isso mesmo! O Dany Silva é um histórico da multiculturalidade lisboeta! Além de muito nos ter ensinado com as suas músicas e de ser um ser humano por quem nutrimos muita e unânime admiração. Só de pensarmos a vontade até incendeia!