As Mulheres e as suas lutas
Rave Avante!
Violet convida Yazzus (Gana) e Renata (Líbano)
Sábado, 3
22:30, Auditório 1º. de Maio
Foi assim
Rave Avante!, que este ano tem como mote as Mulheres e as suas lutas.
A origem eminentemente de esquerda do movimento da música de dança, DJing e música electrónica.
A Rave Avante! é uma estreia na Festa, mas ambas têm como catalizador histórico a luta contra a opressão capitalista, colonial e patriarcal. Techno e a house são porventura os géneros que marcam o despontar da música electronica de dança. Esta música surge como expressão de resistência nos anos 80 em Chicago, Detroit e Nova Iorque, cidades onde comunidades marginalizadas pela sua classe, sexualidade, por serem imigrantes e pela sua raça se juntavam em clubes como The Warehouse (cujo nome deu origem ao termo 'house music') ou Paradise Garage (um nome muito replicado pelo seu valor simbólico - até em Lisboa já houve um clube com esse nome) para se refugiarem do sistema capitalista-patriarcal-branco para se expressarem e serem quem são, longe do escrutínio e exploração hegemónicos.
Isto já acontecia com géneros irmãos como o hip hop, funk ou disco - e toda esta linhagem de música (sobretudo feita e promovida por pessoas negras, LGBTQI+, mulheres e a classe trabalhadora) foi alvo de tentativas sucessivas de estrangulamento por governos conservadores (Thatcher fê-lo com a cultura Rave inglesa, de onde surgem géneros como o drum n bass e o hardcore), que criaram leis quase ad-hominem, dedicadas a acabar com estes 'perigosos' encontros culturais e sociais (raves, festas, discotecas) que têm no seu ADN um lastro esquerdista e revolucionário, solidário com as pessoas oprimidas e frontalmente contra a manutenção do privilégio.
Esta música era, na verdade, filha da luta de classes ainda antes de existir em qualquer gravação. O acid house, um dos sub-generos chave da música de dança, é inventado com recurso a um equipamento que na época se considerava obsoleto, sendo por isso o seu preço muito reduzido e tornando-o em um dos poucos sintetizadores acessíveis para a classes marginalizadas. Esse equipamento é a Roland TB 303, um emulador de guitarra-baixo feito para acompanhar guitarristas que nunca viu sucesso comercial e cujo som metálico e desorientante se tornou numa das marcas sónicas da música de dança como a conhecemos.
Depois de uma fase de hiper-mercantilização da música de dança que começa em meados da década de 90 e se estende até hoje, houve um período de semi-dormência das vozes e intenções mais politizadas desta cultura, que dura talvez uma boa década e vê - felizmente! - um ressurgimento da consciência política de esquerda, motivado pelo sinal dos tempos, diria, mas também muito esforço das mulheres e das classes trabalhadoras imigrantes que começam a reivindicar um espaço, inspiradas largamente pelas origens históricas da música de dança.
Hoje em dia, feminismo, anti-racismo, ou mesmo socialismo (o verdadeiro), marxismo e comunismo são palavras de ordem para uma grande comunidade dentro da música de dança. Existem hoje dezenas de compositores e DJs que expressam esse engajamento político através das redes sociais; de contratos que promovam a diversidade; de iniciativas como a participação nas marchas anti-fascistas, anti-racistas, feministas e pela habitação justa; a cooperação com associações e partidos de esquerda, ou a adesão a projectos como a PACBI/BDS. Um exemplo disto é o movimento #DJsforPalestine que surge em em 2018 que reflecte bem a posição mais politizada que há nos últimos anos na comunidade da música de dança - uma politização marcadamente esquerdista, que defende os oprimidos e atende a várias lutas que são projectos e ideias desde sempre da esquerda.
Em paralelo, e com o advento da internet, começaram a criar-se laços internacionais - é hoje bastante natural os músicos de esquerda terem um espírito de entre-ajuda e elevação mútua comunal, discussão política e projectos conjuntos de cariz político. Existem colectivos pautados pelas suas políticas emancipatórias, inclusivas e pela paz em Portugal, na China, na Índia, no Brasil, no Reino Unido, Uganda ou no West Bank Palestino. Em todo o mundo, artistas e organizadores juntam-se para tornar os seus espaços de criação e fruição musical em lugares mais inclusivos, pedagógicos, operando sob a lente da ajuda mútua como resistência a um sistema incapaz de suprir as necessidades da comunidade artística.
Yazzus e Renata são as convidadas de Violet nesta primeira Rave Avante!, que este ano tem como mote as Mulheres e as suas lutas. Aqui estão duas mulheres, uma nascida no Gana, outra no Líbano, que enfrentaram um conjunto de obstáculos impostos pelo status quo para se cumprirem enquanto artistas: classe, nacionalidade, género são exemplos. Mas é também exemplo o rasgo artístico a que se propõem ao dar continuidade a uma linhagem histórica de pessoas que embora privadas de recursos se superaram apoiadas nas suas crenças políticas e nas suas comunidades.
Texto de Inês Coutinho - Violet