Este ano com mais sete hectares, nunca a Festa do Avante! tinha sido tão grande. Uma grandeza que não se mede em pés, nem em milhas nem em acres, porque não é de área que se trata, mas de volume: cultural, político e humano. Deste chão ampliado, as organizações regionais do PCP levantaram um modelo do País à escala como só um partido com profundíssimas raízes no povo poderia construir. A festa dos comunistas ora fala com sotaque de Viseu ora de Lisboa, ora cheira a choco frito ora a feijoada transmontana. Da porta da Quinta do Cabo à porta da Quinta da Princesa vai o País inteiro, dos Açores ao Alentejo, de Norte a Sul de Portugal. Passam Caretos de Lazarim e cabeçudos de Braga, ressoa o Cante e treme o Fado, trabalha-se a empreita algarvia e o figurado de Barcelos. Trabalha-se. Trabalha-se muito. Mais parece uma foz, a Baía do Seixal: aqui vem desaguar a luta dos mineiros da ENU, de Viseu, e a luta dos operários da BA Vidros, da Marinha Grande. Vêm em caudais de autocarros da Covilhã e em aviões da Madeira para confluir no combate às assimetrias regionais, na luta contra a precariedade, pelo emprego com direitos, pelo desenvolvimento, «Com os Trabalhadores e o Povo Democracia e Socialismo» grita um mural de Braga; «Os Valores de Abril no Futuro de Portugal» pode ler-se em Santarém. Esta é a mais portuguesa de todas festas, é o retrato vivo de um povo em luta.

Se o Minho é senhor de uma cultura única, o espaço da Organização Regional de Braga era justamente inconfundível: entrar em Braga, através de uma sucessão de belíssimos arcos, era entrar num verdadeiro arraial minhoto onde não faltavam as frigideiras nem a massa à lavrador. Depois, todos os olhos se orientam para os enormes murais que recordam que «a precariedade tem rosto». E também tem números: 61 por cento dos jovens são precários, regista outro mural. Também em grande destaque no espaço bracarense, a campanha de fundos «Nova casa para o PCP em Braga. Mais força ao PCP, na luta de sempre», um Centro de Trabalho que será inaugurado já no dia 22 de Outubro.

Avançamos para a Organização Regional de Coimbra, cujo espaço prestou este ano homenagem à música e à etnografia. Na decoração e também na exposição de instrumentos musicais da colecção de Manuel Louzã Henriques demonstrava-se a profunda ligação do mundo da música ao mundo do trabalho. E entre guitarras toeiras e beiroas, comia-se a famosa chanfana, o rancho e o porco no espeto. As propostas do PCP para a região encimavam o adro, reclamando «+direitos +futuro» apostando na produção agrícola e industrial e valorizando os transportes, saúde e educação públicos, sem esquecer o ambiente, o ordenamento e a participação no poder local.

Andamos escassos metros e estamos no Algarve. Aqui come-se o muito elogiado xarém de marisco e outras iguarias que dá o mar às gentes que o trabalham. Na banca de artesanato, têm lugar verdadeiras aulas em que se aprende a trabalhar a cana, a palma e o fio de sisal. A lição flui naturalmente da empreita e dos sacos de esparto para a destruição das pescas e o lay-off na Cimpor de Loulé. «Outro rumo para o Algarve» exige por isso o PCP, condenando, em grandes painéis, o «assalto das portagens e o inferno da EN125» e os baixos salários que, no sector do turismo, desafiam os crescentes lucros do patronato.

Subindo para o Porto, ouvia-se todos os elogios: o inigualável trabalho artístico patente nos murais assinalando os 125 anos da revolta de 31 de Janeiro; a clareza com que os comunistas portuenses ligavam aquela revolta republicana à luta actual pela soberania e independência nacionais; a selecção de artesanato, filigranas, mantas e couros; a delícia das francezinhas, o regalo dos rojões… Virado para a porta da Quinta do Cabo, outro mural de inexcedível talento mostra patrões e trabalhadores a puxar em direcções opostas os ponteiros de um relógio: era o outro grande tema do espaço, «8 horas de trabalho, 8 horas de descanso, 8 horas de lazer» podia ler-se.

Em Viseu falamos com uma visitante que, não sendo militante, foi pessoalmente ao espaço desta Organização Regional para «agradecer ao Partido». É a sobrinha de um dos 180 mineiros da ENU que perderam a vida vítimas da radiação. «Foi uma luta de 15 anos para conseguir um bocadinho de justiça», diz sobre o direito à indemnização por morte, recentemente aprovado na Assembleia da República por proposta do PCP. Em frente, uma pintura reproduz o mural de José Mouga que sobreviveu ao terrorismo incendiário de 1976. Transposto para a Atalaia, os comunistas da Beira Alta celebraram os 40 anos da Festa com a mesma coragem. No restaurante, acompanha-se a vitela arouquesa com queijo da serra.

Viana do Castelo, este ano, não estava só no espaço desta Organização Regional, estava um pouco por toda Festa, nos corações ao peito dos visitantes. Também em frente para o Palco 25 de Abril, dois enormes corações de Viana, saltavam das paredes com luz, fio, ferro e cor, atraindo milhares de fotografias e indicando onde começava o espaço da região. «É como se estivesse em casa» admite, ao balcão, um visitante emigrado em França, natural de Arcos de Valdevez. A gastronomia ajuda: arroz de sarrabulho e pataniscas a condizer.

Seguimos para a Guarda e Castelo Branco, cuja decoração transformou o espaço numa fábrica têxtil. «Consciência de classe!» lê-se num mural; «Luta, motor de transformação», afirma outro. No mesmo sentido, uma exposição intitulada «Lutas operárias na Serra da Estrela – dos anos 40 aos nossos dias», oferecia aos visitantes um formidável apanhado histórico de uma região duramente fustigada pela miséria, pelo desemprego e pela desindustrialização. Na ementa, muito elogiada, distinguia-se pratos regionais como maranhos, bacalhau à Assis e piano.

A Organização Regional de Leiria quis celebrar os 130 anos do primeiro 1.º de Maio. E fê-lo da forma mais bonita imaginável: junto ao forno a lenha, lia-se um poema de Pablo Neruda sobre o pão; dobrava-se a esquina e dávamos de caras com uma reprodução mural de Vladimir Lebedev que rivalizava com o original; mais dois passos e é José Gomes Ferreira quem nos falava, seguiam-se Ary dos Santos e Maiakovsky. Mais murais. Num distrito onde empresas como Sumol-Compal ou a ESIPE, que mantém mais de metade dos 900 trabalhadores em situação precária, a história do 1.º de Maio chega a ter valor redobrado. Na gastronomia, o destaque vai para a sardinha assada e os vinhos do Bombarral, no artesanato, assinalemos o atelier de um mestre vidreiro da Marinha Grande.

Subimos para Setúbal que, este ano, deu destaque a quatro temas: as primeiras eleições autárquicas, o XX Congresso do Partido, os 40 anos da Constituição e os 40 anos da Festa. Os nove concelhos da península marcaram presença com a reconhecida gastronomia, provavelmente a mais desejada de toda a Festa, com destaque para o choco frito, a massada de peixe ou o arroz de polvo. Merece ainda nota honrosa o sempre animado Bar Faísca, operado pela célula dos trabalhadores comunistas da Autoeuropa. Terra de longíssima tradição de luta pela democracia, Setúbal não esqueceu o internacionalismo e, numa singular lição de solidariedade de classe, promoveu um dos debates mais nutridos, sobre o golpe de Estado no Brasil.

Já a organização do Partido em Santarém, com uma vista privilegiada sobre a Atalaia, subordinou este ano a decoração às profissões tradicionais do distrito, representadas em grandes painéis de azulejos. À mesa ribatejana, a estrela era o touro bravo e a sopa da pedra. Também em evidência, a Resolução Política da X Assembleia de Organização Regional de Santarém do PCP, que sublinhava as «condições únicas (do distrito) em termos de território, centralidade, acessibilidades, qualidades dos solos, património cultural e construído, recursos humanos, hídricos, turísticos e ambientais que a política de direita não tem aproveitado.

Descendo para os Açores lê-se a parangona «Autonomia regional, conquista de Abril». Em ano de eleições nesta Região Autónoma, os comunistas açorianos quiseram dar a conhecer as propostas da CDU para resolver os problemas do arquipélago. Um programa centrado em três eixos: o desenvolvimento económico e social, a valorização do trabalho e o combate ao isolamento. «Em luta por uma vida melhor, pelo futuro dos açores» proclamava outro mural. À mesa, somam-se os elogios ao caldo de peixe e ao polvo à açoriana. Muito procurado era também o artesanato, com destaque para a escama de peixe e a pedra de lavoura.

«É tão grande o Alentejo» já diz o Cante e comprova a Festa. Ao longo da Alameda da Liberdade, estendia-se o espaço dos comunistas alentejanos para valorizar o trabalho feito na região com os olhos no futuro: «Trabalho, obra, desenvolvimento» pode ler-se numa das paredes principais e, mais adiante «Defender o poder local democrático», para depois elencar os progressos que a gestão da CDU trouxe a várias autarquias. Entrando no espaço, visitantes e comensais amantes da açorda e da sopa de cação eram brindados com a música e cultura alentejana, este ano com destaque para um atelier de fabrico de chocalhos, Património Imaterial da Humanidade.

Também Vila Real, ao alto da alameda, assinala num grande painel outra candidatura a património imaterial, desta feita a arte da olaria de bisalhães, merecidamente promovida na Festa pela íntima ligação à cultura proletária daquela região: «barro preto em mãos de mulher». Os comunistas transmontanos deram também destaque às propostas específicas do Partido para a região «para contrariar a desertificação e o despovoamento»: da eliminação das portagens à reabertura do tribunal de Mesão Frio, passando pela defesa da Casa do Douro, as lutas da região eram apresentadas sob três bandeiras: «não aos cortes no investimento público», «não ao encerramento de serviços públicos» e «apoiar a produção nacional», temas para muitas discussões nutridas a feijoadas e caldos de cebolada.

Surge, por fim, antes do Espaço Internacional, o espaço dos comunistas da Região Autónoma da Madeira, cuja decoração se debruçou este ano sobre o tema do vinho sem esquecer, claro está, a arquitectura popular. Oportunidade única para ficar a conhecer a gastronomia regional, chegavam famílias de todo o País para provar o bolo de mel, o bolo do caco e a espetada. «Dizem que na Madeira só há duas ilhas habitadas: Madeira e Porto Santo», explica um visitante do arquipélago, de sorriso rasgado e poncha na mão. «Mas não é verdade. Há uma terceira, aqui, na Festa do Avante!».

Cruzando a Alameda fica Bragança, de onde espreitam, pintadas na fachada, as silhuetas de pauliteiros e as folhas da vinha. Depois, surge uma justíssima homenagem ao dramaturgo, actor e militante comunista Leandro Vale. Gaiteiros garantem a animação. No ar, paira o aroma do caldo verde. Num grande painel, destaca-se a luta pela reposição das freguesias extintas e promete-se continuar a luta em defesa das populações.

Finalmente Lisboa, visível ao longe pelos dois colossais «XX» que anunciam a aproximação do Congresso do PCP. Aqui os lisboetas sentem-se em casa: há a feira da ladra e o alfarrabista, a pastelaria onde não falta o pastel de nata, a frutaria e, como não podia faltar em terra alfacinha, o café, neste caso promovido a café-concerto. Há ainda um espaço exclusivamente dedicado ao Fado, que dá a conhecer as origens proletárias desta arte. Sobrevoando todo o espaço, dois subtilíssimos murais elevados captam todas as atenções: «quem seria o artista?», «Foram muitos», alguém responde. «Que pena não estar cá para o ano», alguém lamenta, «Estará outro, ainda mais bonito», outro responde.

Espaços para todos

A Festa, na sua nova geometria e configuração, oferecia espaços bem acolhedores. Nenhum, provavelmente, era porém tão aprazível e fresco como o Espaço Criança, situado numa área altaneira, com uma das suas entradas a dar para a nova avenida que nasce na entrada da Quinta do Cabo e que é agora de passagem quase obrigatória. Ali, sob a frondosa e fresca copa de uma mancha de pinhal, a vida pulsava a outro ritmo. Fosse qual fosse a hora, era certo que no ar havia alvoroço e corrupio. E a razão era simples: por ali não faltava os apelos à brincadeira. A começar pelos aparelhos infantis, todos eles inclusivos, o mesmo é dizer adaptados a todas as crianças, independentemente da existência ou não de limitações.

Era o baloiço e mais o cavalinho, e depois o escorrega e também a travessia do túnel, e depois ainda a subida ao castelo e mais o equilíbrio nas cordas, sempre numa roda viva permanente.

Mas a oferta esteve longe de ficar por aqui. No muito ampliado Espaço Criança, hoje com mais visibilidade e ainda maior dignidade, não faltou a diversão no insuflável, nem as experiências em estimulantes ateliers como o de trabalhar o barro ou criar fantoches de dedo (dedoches). Tal como não faltaram as pinturas, nem os jogos tradicionais e até houve oportunidade – num verdadeiro anfiteatro, pois claro – para assistir à «história de um nabo» em teatro de robertos, bem como a momentos de animação musical e de dança.

Na avenida com origem na antiga entrada da Medideira e que desemboca no grande círculo que envolve o Palco 25 de Abril, mesmo no topo, com um plano de vista fabuloso, situava-se a Emigração. Com uma localização assim, está bem de ver, a esplanada adjacente ao stand não chegava para as encomendas, circunstância a que também não era alheia a frescura da sombra que oferecia. Mas aquele foi, sobretudo, consolidando um traço que o tem caracterizado ao longo dos anos, um grande ponto de reencontro de quem, andando por outras latitudes e lugares, há muito não se via. E quando assim é, claro, nada melhor para fortalecer o convívio do que provar um bom petisco. Foi o que fizeram as muitas centenas de pessoas que por ali passaram, não dispensando a salsicha alemã ou a bifana à portuguesa, regadas com champanhe francês ou a não menos boa «Sangria do Quim», assim chamada por ser uma criação do ex-dirigente sindical na Suíça Joaquim Fernandes, camarada muito estimado, que, nos seus 90 anos, como o próprio nos disse, por nada dispensa a presença na Festa do Avante!. Numa das paredes laterais do stand, em exposição de três painéis, apontava-se as razões que levaram tantos a sair em busca de trabalho e vida melhor, afirmava-se que a alternativa existe e era dado a conhecer o conteúdo das propostas do PCP para a diáspora.

Descendo um pouco mais a mesma avenida, encimada este ano pela «roda gigante», três mastros embandeirados de vermelho com a inscrição a branco da palavra Mulheres identificavam sem equívocos qual o stand onde estávamos. Na parede traseira ao balcão do «Bar da Igualdade» – onde se serviam «as melhores sandocha e vegetariana da Festa», segundo se podia ler na informação que as anunciavam –, silhuetas negras de mulher de punho fechado sobressaíam do fundo branco. A acompanhá-las, em letras garrafais, uma palavra de ordem: «Mulher, toma nas tuas próprias mãos a conquista dos teus direitos». Um apelo à acção e à luta das mulheres, na certeza de que o processo emancipador da mulher trabalhadora da opressão capitalista – e da mulher em geral face às discriminações e desigualdades a que é sujeita em razão do sexo – é ele próprio indissociável da sua participação. Mensagem política forte era também a que se encontrava na exposição, distribuída por quatro painéis, onde, entre outras exigências, estava a de que se cumpra a igualdade na lei e na vida.

Mesmo ao lado do stand pintado em tons suaves dedicado às Mulheres, separados entre si por uma ampla esplanada, estava – todo ele em vermelho –, o stand Imigração. Com uma decoração recheada de sugestivos motivos africanos, não eram apenas estes a encaminhar-nos para paragens distantes. Também a cachupa rica de Cabo Verde, os pastéis de milho com atum, a paracuca ou o doce de coco, lá estavam, quais verdadeiras iguarias, a lembrar-nos a riqueza gastronómica de outros povos. Às sonoridades vindas sobretudo de África e do Brasil ficou a dever-se ainda essa aproximação a outras culturas, mas também a animação e o ambiente de festa que, em contínuo, preencheu as tardes e noites daquele espaço, sobretudo na estrutura sobrelevada que funcionou como pista de dança, sempre a «bombar» num desafio permanente à energia dos que por ali passavam.

Em jornal «Avante!»

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