A arte contra a guerra
A arte contra a guerra
Quinta, 2 de Agosto de 2012Guernica, a obra-prima de Pablo Picasso, será evocada no espaço das Artes Plásticas da Festa do Avante!, no ano em que se assinala o seu 75.º aniversário. A sua história, os estudos preparatórios e a barbaridade que retrata estarão em destaque no coração da Festa.
26 de Abril de 1937: sobre a pequena cidade basca de Guernica cai uma chuva de bombas, lançadas pela Legião Condor, constituída essencialmente por forças alemãs. A cidade fica arrasada, permanecendo de pé apenas um velho carvalho, que se tornaria um símbolo da resistência à guerra e à barbárie. Guernica foi o primeiro bombardeamento aéreo sobre civis da história e não tinha qualquer objectivo militar. Foi um teste, um simples e bárbaro teste, à máquina militar nazi e à reacção da população perante tamanha e indiscriminada violência.
Estava-se em plena guerra civil espanhola e os franquistas avançavam sobre a jovem República suportados pela Alemanha nazi e pela Itália fascista, perante a passividade das «democracias liberais» francesa e britânica. Ao lado dos republicanos, apenas combatiam soviéticos e milhares de voluntários internacionais.
Eis como uma testemunha viveu o massacre de Guernica (citado em Wilfried Wiegand, Pablo Picasso, 1973): «Estava um dia maravilhosamente claro, o céu estava calmo e límpido. Chegámos aos subúrbios de Guernica por volta das cinco horas. Havia muita agitação nas ruas porque era dia de feira. De repente, ouvimos as sirenes e ficámos aterrorizados. As pessoas corriam em todas as direcções e deixavam tudo em busca de protecção, alguns também corriam para as montanhas. Pouco depois, surgiu um avião inimigo sobre Guernica (…) Largou três bombas directamente sobre o centro. Logo a seguir, vi sete aviões, aos quais se seguiram seis e, depois, mais cinco. Eram todos Junkers. Entretanto, toda a cidade tinha sido tomada pelo pânico (…) Os aviões aproximaram-se voando muito baixo, no máximo a 200 metros de altura (…) Entretanto, mulheres e crianças e velhos atingidos caíam no chão, como moscas, víamos grandes poças de sangue por todo o lado. Vi um velho camponês sozinho num campo, morto por uma rajada de metralhadora. Os dezoito aviões mantiveram-se mais de uma hora sobre Guernica, a uma altura de poucas centenas de metros, largando bomba atrás de bomba. Não é possível imaginar o barulho das explosões e o ruído das casas a desmoronarem-se. Voavam por cima das ruas. Caíram muitas bombas, aparentemente por todo o lado. Mais tarde, vimos as crateras: tinham um diâmetro de dezasseis metros e uma profundidade de oito. Por volta das sete horas, os aviões afastaram-se para longe e, agora, chegava uma nova vaga que, desta vez, voava a grande altitude. A segunda vaga largou bombas incendiárias sobre a nossa cidade martirizada. O segundo bombardeamento durou trinta e cinco minutos mas foi o suficiente para transformar o lugar numa enorme fornalha.»
Oito dias que ficam para a história
Quando Guernica foi arrasada pela aviação alemã, Picasso encontrava-se a trabalhar numa encomenda para o pavilhão da República espanhola na Exposição Mundial de Paris, embora permanecesse num dilema quanto à temática a abordar. Ao tomar conhecimento do massacre, o pintor espanhol decide-se e lança-se ao trabalho, que conclui em pouco mais de uma semana.
Manuel Augusto Araújo, do grupo de trabalho das artes plásticas da Festa do Avante!, salienta a incrível energia demonstrada por Pablo Picasso durante os escassos oito dias em que pinta Guernica. Nesse período, faz mais de setenta estudos em torno da obra, entre gravuras, pinturas e desenhos, e altera o quadro diversas vezes. Animais, pessoas e objectos mudam de posição relativa na pintura, modificando-se também a sua importância na tela. As fotografias de Dora Maar, que acompanham o dia-a-dia da concepção de Guernica, revelam todas estas alterações.
Como revelou Manuel Augusto Araújo, todos estes elementos estarão presentes na exposição da Festa do Avante!: o quadro em si, numa reprodução com mais de seis metros de comprimento (ou seja, muito próximo da dimensão original: 350x782); alguns dos estudos prévios realizados por Picasso, em reproduções detalhadas que chamam a atenção para a evolução da obra; e as fotografias de Dora Maar.
A exposição fica completa com a evocação de dois poemas dedicados a Guernica: Descrição da Guerra em Guernica por Pablo Picasso, de Carlos de Oliveira, dividido em 10 partes relativas a outros tantos segmentos do quadro, apresentados junto ao excerto correspondente do poema; e Guernica, de Eugénio de Andrade, que evoca o grande carvalho que sobreviveu aos bombardeamentos. Haverá ainda um folheto explicativo da obra de Picasso e do acontecimento que inspirou aquele que é porventura o seu mais célebre quadro e vários objectos de banca evocativos da obra-prima do pintor espanhol.
Para Manuel Augusto Araújo não é apenas o quadro de Picasso que será evocado. É também um «dever de memória» dos comunistas não deixar esquecer o criminoso bombardeamento nazifascista de Guernica, hediondo teste para o que se seguiria: a carnificina da Segunda Guerra Mundial, que ceifou a vida a quase 60 milhões de pessoas.
Artista genial e combatente pela paz
Guernica é, sem dúvida, a obra-prima de Pablo Picasso e um dos mais reconhecidos quadros de todos os tempos. Mas o pintor espanhol foi um profícuo criador e um dedicado militante do Partido Comunista Francês (país onde se exilou) e do movimento da paz criado nos primeiros anos da Guerra Fria com o objectivo de mobilizar os povos contra o advento de uma nova e ainda mais destruidora guerra.
No âmbito deste movimento, participa em 1948, no Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz e, em Abril do ano seguinte, é uma das suas célebres pombas da paz a ilustrar o primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz, realizado simultaneamente em Paris e em Praga. Em torno deste tema, faz mais de cem desenhos. Em 1950, vai a Varsóvia, ao segundo Congresso Mundial da Paz, onde é eleito para o Conselho Mundial da Paz aí criado.
Durante a guerra da Coreia (1950-1953), Pablo Picasso mostra uma vez todo seu repúdio pela violência e pela guerra, neste caso pela agressão ao país asiático pelos Estados Unidos da América e seus aliados e pelos horrores cometidos contra civis, mulheres e crianças no seu quadro Massacre na Coreia.
Notícia jornal «Avante!», Nº 2018 de 2 de Agosto 2012