Diabo na Cruz
Diabo na Cruz
Lançado no final de 2009 e reeditado em versão dupla em 2010, “Virou”, o primeiro álbum de Diabo na Cruz, foi unanimemente considerado um marco na música nacional pela forma como integrou sonoridades de música tradicional e de rock contemporâneo. Desde então o grupo destacou-se pelos concertos explosivos (perto de 100 por todo o país). 2012 testemunha o lançamento de “Roque Popular”, destinado a aprofundar o trabalho que ficou para trás e apontar novos rumos. E ouvindo o novo disco pressente-se um impulso programático que pode bem reflectir-se naquela – mais que tradução – quase inversão topológica que lhe inspira o título. Partindo do estilisticamente genérico ‘pop rock’, cuja matriz anglo-saxónica é hoje evidentemente global e infinitamente extensível, Diabo na Cruz caminha para um específico e rigorosamente demarcado ‘roque popular’ que não se imagina possível em nenhum outro lugar do mundo nem sequer tão bem pronunciado por outrem. É uma subversão endémica num grupo que não ‘foge como o diabo da cruz’ das polémicas relativas a identidade. Ainda para mais quando, como não poderia deixar de ser, esse singular código que veicula só se compreende num contexto cultural de relativa abrangência. Os equilíbrios entre individual e colectivo, moderno e tradicional, mito e realidade, urbano e regional, etc, são convocados pelas suas canções e revelam-se como pontos de fricção que, por sua vez, servem de pano de fundo a conteúdos políticos, sociais, íntimos. Mas nada disto teria o mesmo impacto – que implica reconhecer “Roque Popular” como uma importante manifestação na música popular portuguesa do último decénio – se não nos chegasse embalado numa estética destemida, celebrativa e resolvida.
Em mbarimusica.blogspot.com está uma conversa que tive com o Jorge Cruz sobre as ambições deste novo álbum, as mudanças na formação ou, inevitavelmente, um certo estado de coisas em relação ao país. Estão lá também as biografias dos membros da banda. Cito de algumas das respostas do Jorge:
“A política parece-nos um universo desinteressante, de significados pobres. As nossas aspirações levavam-nos para qualquer coisa ao mesmo tempo mais pessoal e mais amplo”.
“Tenho a opinião de que essas características [comunitárias] são mais raras do que a liberdade individual, essa está disseminada pela sociedade sem que ninguém a aproveite para fazer nada de verdadeiramente livre”.
“Quando se vive desanimado, a mudança pode parecer um abismo e o nosso país tem uma tradição sólida de resistência à mudança”.
“Interessa-me o som e a textura das palavras, tanto as ouvidas da boca de um merceeiro como as lidas nos livros do Aquilino Ribeiro”.
“Somos simpáticos, mas também somos incompetentes como povo. Abusam dos nossos deveres e nós não estamos habilitados para reivindicar os nossos direitos”.
“Sempre me confundiu o facto de na arte em Portugal se procurar copiar resultados vindos da cultura anglo-saxónica, como em tempos se terá feito com a cultura francesa, na pintura e na literatura por exemplo, quando me parece que o essencial a apreender de outros em termos de criação é sempre o processo e não propriamente o resultado”.
“Aquilo que procuramos numa parcela importante do nosso reportório é uma espécie de levantamento de motivos de festa na cultura portuguesa para aplicação na pop”.
“As elites são estufas de medos. O que fazemos não está acima das pessoas, está ao lado delas. E o nosso desejo é que possa ser intuitivamente entendido por elas”.
João Santos, 17 de Abril de 2012