Os aniversários redondos são propícios a balanços, a olhares retrospectivos e avaliações, essenciais para perspectivar o futuro. No ano em que se assinala o 40.º aniversário da aprovação e promulgação da Constituição da República Portuguesa, o Espaço Ciência da Festa do Avante! propõe uma «viagem» por quatro décadas de ciência em Portugal, valorizando o que, também neste campo, a Revolução de Abril trouxe de progresso, desenvolvimento e democratização e identificando os obstáculos que persistem e as medidas necessárias para os superar.

O Espaço Ciência, este ano localizado numa zona mais central da Festa, onde anteriormente se situava o Pavilhão Central («transferido» para junto da nova entrada, no terreno da Quinta do Cabo), é há muito um dos pavilhões que mais curiosidade suscita entre os visitantes de todas as idades, que ali encontram informação acessível, clara e rigorosa sobre diversas temáticas relacionadas com a ciência, nas suas mais diversas expressões e disciplinas, e podem realizar experiências.

Augusto Flor, que no Executivo da Festa do Avante! responde por esta área, não esconde o orgulho que sente por um espaço que está «sempre cheio, todos os anos»: entre os visitantes, garante, há os que desde logo o procuram e os que, tendo-o descoberto por acaso, voltam uma e outra vez, nesse ano e nos seguintes. Para o responsável, o «segredo» do êxito do Espaço Ciência e da importância que tem vindo a ganhar na Festa é a capacidade que tem revelado de aliar o rigor científico a uma linguagem simples e acessível a todos e a possibilidade que dá aos visitantes de experimentar, questionar e debater as questões em foco em cada uma das edições.

A atestar a qualidade e atractividade das exposições do Espaço Ciência está o facto de todos os anos elas circularem por escolas, colectividades, sindicatos e autarquias de todo o País. Augusto Flor valoriza ainda o facto de estas exposições serem totalmente produzidas pelo Grupo de Trabalho da Ciência da Festa do Avante!, da escolha dos temas à selecção das imagens, da investigação à redacção dos textos. «São sempre materiais originais», realça o responsável.

Avanços, obstáculos e perspectivas

Este ano, o tema escolhido para o Espaço Ciência é a evolução da ciência em Portugal nas últimas quatro décadas, a propósito da comemoração dos 40 anos da Constituição da República Portuguesa. «Revolução, Constituição, Ciência para todos!» é o lema escolhido e o logótipo sugere um livro, numa clara referência à Constituição de Abril.

A exposição, bastante completa, permitirá aos visitantes um conhecimento considerável acerca do enquadramento constitucional da investigação científica, das mudanças registadas relativamente aos tempos da ditadura e daí por diante, das grandes descobertas e eventos, da política científica em Portugal e das propostas do PCP para o sector. A mostra, conta Alice Figueira, abre com um apontamento acerca da situação existente durante o fascismo, a negro, e das perspectivas abertas com a Revolução, a cores. O resto centra-se nos últimos 40 anos, após a entrada em vigor da Constituição.

Mas, como alerta Augusto Flor, a própria Lei Fundamental já sofreu revisões, que a amputaram de alguns aspectos particularmente progressistas. No que respeita à ciência, a preferência concedida, na Constituição aprovada a 2 de Abril de 1976, pelos domínios da ciência que interessassem ao «desenvolvimento do país, tendo em vista a progressiva libertação de dependências externas», entretanto desaparecida do texto constitucional, contrasta com as referências ao «reforço da competitividade e a articulação entre as instituições científicas e as empresas» na actual versão, após cinco revisões. Na prática, a desvalorização dos laboratórios do Estado contrasta com o peso cada vez maior que empresas e fundações assumem no panorama científico nacional.

Apesar de muitas limitações e de obstáculos que não só permanecem como, nos últimos anos, se têm vindo a agravar, Portugal conheceu um desenvolvimento considerável nas últimas décadas no que à investigação e à ciência diz respeito. Na exposição, isso será retratado através de uma retrospectiva dos grandes eventos científicos realizados no País, as descobertas mais relevantes dos cientistas portugueses, os investigadores mais destacados e as instituições científicas mais profícuas. Muitas destas questões surgirão plasmadas num painel dedicado à «Ciência em Números», onde será traçado o panorama quantitativo da questão, revela Emília Costeira.

Toda a ciência conta

No campo das ciências naturais, conta Anabela Silva, será dado destaque a um conjunto de descobertas e avanços registados no País em campos como a medicina, o ambiente, a genética ou o aproveitamento de recursos, como é o caso de estudos recentes sobre a Plataforma Continental portuguesa. A «utilidade social» destes avanços bem pode ser facilmente compreensível, mas as ciências sociais são igualmente de enorme importância, que será sublinhado na exposição.

Há hoje muitos cientistas sociais no País e muito trabalho realizado nas áreas da História, da Sociologia e da Antropologia, entre outras, valorizou Ana Paula Nogueira, sublinhando a importância destas disciplinas para a compreensão – e transformação – da sociedade. «Talvez por isso, muitos as pretendam desvalorizar», acrescentou. Os próprios Centros de Ciência Viva – cujos 20 anos de existência e a sua importância para a divulgação da ciência serão realçados na exposição – remetem para segundo plano as ciências sociais.

Como sempre acontece no Espaço da Ciência, também este ano será dado o devido destaque à relação entre o tema e as Artes e Letras (ou, melhor dizendo, à forma como as várias expressões artísticas e literárias abordam o assunto tratado na exposição) e voltarão a estar patentes as «curiosidades», um dos elementos que mais atenção desperta dos visitantes.

Um espaço dedicado às crianças, a participação do Centro de Ciência Viva de Constância e do Núcleo de Física do Instituto Superior Técnico e os debates no auditório completam a programação do Espaço Ciência.

As propostas do PCP – Revitalizar e expandir o sistema científico nacional

As políticas científicas prosseguidas em Portugal nas últimas décadas e as propostas do PCP para este importante e estratégico sector estarão também plasmadas na exposição, informaram os membros do Grupo de Trabalho, para quem a existência ou não de um ministério próprio, os níveis de investimento público na ciência e a precariedade dos cientistas são indicadores a ter em conta. A emigração de quadros e a prioridade dada à vertente «empresarial» da ciência e da técnica influenciam os impactos deste sector no desenvolvimento do País, acrescentam.

Ao nível das propostas do Partido para o sector, elas encontram-se plasmadas com profundidade no Programa Eleitoral com que o PCP se apresentou às eleições legislativas de 2015. O Partido constata, nesse documento, que o «conhecimento de raiz científica, em qualquer domínio, é um bem público e deve ser estimulado através de financiamento público», ao mesmo tempo que se afirma «crescentemente como uma «força produtiva directa». Antes da enumerar as medidas que propunha, o PCP traçava o quadro actual da ciência em Portugal, marcado pela desvalorização dos laboratórios do Estado, a quebra consecutiva do investimento público e a precariedade reinante entre os cientistas.

Inverter este quadro é, desde logo, a proposta central dos comunistas, para quem o Estado deve «definir uma política científica que tenha em conta as necessidades nacionais, nas várias esferas da actividade económica e social». A «revitalização, fortalecimento e expansão do sistema científico e técnico nacional» exige, para o PCP, medidas como:

  • a definição de uma política de Ciência & Tecnologia que atenda às necessidades e especificidades da economia nacional e consagre a intervenção efectiva da Assembleia da República na sua elaboração e avaliação e no acompanhamento da sua execução;

  • a duplicação até ao final da legislatura, do investimento por investigador no sector público. No mesmo prazo, no sector público, o recrutamento e formação de 8500 técnicos e auxiliares de apoio à investigação;

  • a reestruturação da Fundação para a Ciência e Tecnologia;

  • a revitalização e reorganização da rede do sistema de Laboratórios do Estado;

  • a reintrodução das categorias de Estagiário e Assistente de Investigação no Estatuto da Carreira de Investigação Científica como categorias de formação de pessoal investigador, sujeito a adequada avaliação com regras bem definidas;

  • valorização da investigação fundamental livre em qualquer domínio e das actividades de investigação no domínio das Ciências Sociais e Humanas, com o reforço dos meios que lhes são atribuídos;

  • criação de um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial financiado pelas empresas na proporção de 1 por cento do respectivo Valor Acrescentado Bruto acima de 5 milhões de euros de volume de negócios anual, com co-gestão e co-financiamento públicos;

  • criação de uma Agência para o Desenvolvimento e Transferência de Tecnologias que promova a transferência para o tecido produtivo das descobertas e inovações dos Centros de Investigação.

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